Não é preciso muitas audições para sacar que “Angels Cry”, primeiro disco do Angra lançado em 1993, era um trabalho muito acima da média: produção impecável, arranjos de extrema qualidade, solos de guitarra virtuosamente bem executados, bateria poderosa, baixo pulsante, alcances vocais impressionantes, e hinos monumentais como “Carry On”, “Time” e a faixa-título.
O debut de André Mattos (vocal), Kiko Loureiro (guitarra), Rafael Bittencourt (guitarra), Luis Mariutti (baixo) contando com a participação do baterista germânico Alex Holzwarth, definitivamente não devia nada a bandas do gênero do metal melódico, nem mesmo aos mega ídolos-referência do Helloween.
Passados os louros da estreia, que transformou o grupo em fenômeno musical no Japão e boa parte da Europa, vinha o desafio que assombra muitas bandas: como conseguir se superar no segundo disco e seguir adiante melhor do que antes?
Com a formação reformulada pela segunda vez, e agora estabelecida com o baterista Ricardo Confessori, o quinteto se enfurnou durante o período de janeiro a maio de 1995 em um sítio no interior paulista, na cidade de Taperaí. Ali o conceito do disco ganhou vida e nome: Holly Land, um álbum que retrataria o Brasil em seu período de descobrimento com a chegada das caravelas portuguesas, originando o processo de formação étnica do país.

Formação que gravou o clássico disco de 96: Kiko Loureiro (guitarra), Luis Mariutti (baixo), André Mattos (vocal, piano), Ricardo Confessori (bateria) e Rafael Bittencourt (guitarra).
Depois de vários ensaios, ideias e composições praticamente prontas, o Angra partiu para a Alemanha no final de junho de 95, onde finalmente começaria as gravações de seu segundo disco novamente sob o comando de Sascha Paeth e Charlie Bauerfind.
O processo de gravação e mixagem de cada membro foi até rápido- com a dos instrumentos brasileiros como berimbau e percussões sendo feitas em São Paulo- mas um imprevisto gerou um atraso nos trabalhos. André Mattos teve um problema na garganta, oriundo de uma turnê de “aquecimento” que a banda fez um pouco antes de entrar no estúdio, obrigando-o a voltar para o Brasil e só após sua total recuperação ele retornou para gravar os vocais.
Finalmente em março de 1996, Holly Land invadiu as prateleiras e aparelhos de som mundo afora, chamando a atenção do público e da critica por uma mistura explosiva e sedutora: o peso e velocidade do heavy metal melódico somado a elementos regionais tupiniquins como a capoeira, forró e axé.
Composta por Giovani Pierlugi, a vinheta instrumental “Crossing” que abre o disco foi utilizada pela banda para transmitir a ideia de que a música sacra europeia seria o ponto de partida da história sobre o processo de colonização do Brasil.
Logo em seguida um hit com poder de fogo: “Nothing To Say”. Originada numa levada de bateria feita por Ricardo Confessori em 94, a canção traz o peso habitual do metal combinado com o ritmo do baião nordestino, em riffs e solos espetaculares da dupla dinâmica Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt.
“Silence And Distance” é cria de André, que com sua excelente performance vocal, traz um clima peculiar e intimista para canção, se baseando na estrutura piano e voz, que ganha adornos sonoros mais pesados.
A quarta faixa do track list é uma das maiores obras-primas do Angra até hoje, e será até o fim dos tempos: “Carolina IV”. Triunfo sonoro magistral de 10 minutos, a música traz uma delirante montanha-russa sonora que combina percussão e guitarras de axé, um solo inesquecível de Luis Mariutti no baixo, música clássica, ode a Iemanjá, e até uma citação a canção “Bebê” do multi-instrumentista Hermeto Pascoal.
O regionalismo nacional se mostra bem forte na faixa-título, que tem uma levada de capoeira no piano, com uma entrada triunfal e pesada da banda no meio de sua execução, que volta ao seu clima mais ameno no final, tendo um excelente encerramento com tambores.
“The Shaman” (que serviria para batizar o nome do grupo originado do primeiro racha do Angra) traz em sua letra a história de um pajé que realiza um ritual de ressurreição em um guerreiro indígena. Contêm passagens faladas retiradas do álbum “Música Popular do Norte nº 4”, do pesquisador musical Marcus Pereira, que dá mais brilho a faixa.
Única canção a ganhar um videoclipe, que foi exibido a exaustão na saudosa MTV Brasil, “Make Believe” é uma das mais belas e incríveis baladas já feitas não só pelo grupo, como também no metal nacional em geral.
Origem de várias “teorias da conspiração”, e de algumas das perguntas mais maçantes feitas em entrevistas com os músicos que passaram ou que ainda estão no Angra, “Z.I.T.O” é uma das gravações mais rápidas já registrada pelo grupo, com um potente refrão e um solo de guitarra memorável.
Com um ar mais progressivo, “Deep Blue” conta com André cantando amparado por violino e piano, com as guitarras, baixo e bateria entrando mais adiante, com direito a um coral de canto lírico, numa excelente ponte para o gran finale!
Sons do mar agitado, pássaros, com um belo arranjo de violão, dão a tônica da belíssima faixa de encerramento do disco: “Lullaby for Lucifer”, que se tornaria um dos registros mais interessantes do conjunto.
Passados 20 anos, e mais de 100 mil cópias vendidas logo em 96 em solo nipônico, Holly Land figura ao lado do também vintão “Roots” do Sepultura, como um dos discos mais importantes do heavy metal brasileiro que ajudou o país a mostrar para todo o mundo que suas belezas iam muito além da imagem caricata de “peitos, bundas, caipirinha e carnaval” pra turista gringo.
Um verdadeiro disco perfeito de ponta a ponta, que mostra o talento de uma das maiores preciosidades musicais do mundo, e que entra fácil numa lista de “Discos Para Ouvir Antes de Morrer”.