O Caldeirão Mágico Esquecido

Pavões Misteriosos

Por que tantos discos clássicos, artistas talentosíssimos como Raul Seixas, Secos & Molhados, Novos Baianos, Guilherme Arantes, Rita Lee (fase solo), Zé Ramalho, Fagner, Ednardo, Odair José, As Frenéticas, entre outros, foram lançados nos anos 70? E por que no período entre a era de ouro do rádio nacional até os anos 60 com a Bossa Nova e o Tropicalismo, até o estouro do Brock dos anos 80, falta uma quantidade considerável de livros sobre ele?

Foi tentando buscar respostas para essas perguntas, e visando preencher essa lacuna na bibliografia musical nacional, que o renomado jornalista André Barcinski lançou em agosto de 2014 seu quinto livro: Pavões Misteriosos.

Resultado de dois anos de intensas pesquisas e entrevistas (mais precisamente 65 entrevistas) com artistas, jornalistas e músicos, o livro como bem define Barcinski, não é um tratado definitivo da música brasileira dos anos 70 e início dos 80, mas, joga bastante luz em um período pouco analisado.

Quem é leitor assíduo do autor, já conhece seu texto envolvente e cheio de estilo, e aqui essas características ditam o ritmo numa prazerosa leitura das 240 páginas, onde o mapeamento do cenário da indústria fonográfica nacional começa em 1974, ano em que pela primeira vez, um grupo estreante destronava Roberto Carlos no topo da parada de discos mais vendidos; o disco e grupo em questão? O fenômeno meteórico Secos & Molhados, com seu disco homônimo lançado no ano anterior.

Pela primeira vez, temos um trabalho jornalístico investigativo sério sobre o curioso fenômeno dos “falsos gringos”, onde cantores brasileiros cantavam em inglês, e contando com o fato de vários grandes discos dos Estados Unidos e Europa chegarem com um atraso de dois a três anos no Brasil, e com a inclusão de suas músicas nas trilhas sonoras das novelas, foram febre nacional.

O caso mais curioso foi do carioca Maurício Alberto, ou Morris Albert como ficou conhecido, que gravou a bela canção “Fellings”, sucesso na trilha da novela Corrida do Ouro (75), que estourou também internacionalmente, sendo indicada a três Grammy, e reinterpretada por grandes ícones como Nina Simone e Frank Sinatra.

Raul Seixas, Ritchie, Rita Lee, Guilherme Arantes, Sidney Magal e os Secos & Molhados, são alguns dos "pavões" retrados no livro. Foto: Reprodução.

Raul Seixas, Ritchie, Rita Lee, Guilherme Arantes, Sidney Magal e os Secos & Molhados, são alguns dos “pavões” retrados no livro.
Foto: Reprodução.

A excessiva e injusta patrulha intelectual sofrida por Guilherme Arantes, a ótima cantora e musa Fafá de Belém, e de ícones brega (e hoje considerados cult) como o grande Odair José, acusados de fazerem “músicas inferiores para a massa”, tem aqui seus méritos artísticos justamente reconhecidos.

Todo o glamour e excessos da discoteca no final da década de 70 é muito bem contada por Barcinski, que mostra o surgimento das primeiras grandes danceterias em São Paulo e Rio de Janeiro, e como elas ajudaram no surgimento de dois grandes marcos pop: o grupo As Frenéticas e a novela global “Dancing Days”.

A popularização da TV, presente na época em mais de 70% dos lares brasileiros, e em especial do programa “Fantástico” com seus videoclipes, contribuiu para o surgimento de ídolos de apelo visual (e sensual), casos de Gretchen e do “cigano” Sidney Magal, que protagoniza os casos mais hilários e surreais relatados no livro.

Nomes considerados “malditos” pela crítica especializada da época, aqui conseguem sua “absolvição”: o requisitado produtor e arranjador Lincoln Olivetti, e os maiores hit makers tupiniquins, Michael Sullivan e Paulo Massadas, são mostrados como efeito natural, e não vilões, de um processo de reconfiguração musical que o país estava se submetendo.

Com a chegada dos anos 80, profundas mudanças nos bastidores das gravadoras ditariam os novos rumos da indústria fonográfica brasileira; sendo capitaneada agora por executivos estrangeiros, a política de um cast menor de artistas, sempre optando pelos que geravam resultado, daria menos espaço para experimentalismos de outrora, e cada vez mais as pesquisas de mercado e o marketing pesado, seriam os pontos cardeais para a tomada de decisões.

Isso não que dizer que a qualidade musical foi para o ralo no início da década mais divertida de todas, muito pelo contrário, nela também surgiram fenômenos interessantíssimos, como a onda dos artistas infantis, que teve seu boom com o Balão Mágico e a Xuxa, e o cantor inglês Ritchie, que com sua “Menina Veneno” obteve a consagração.  Tudo começou a mudar para o ex-Vímana a partir do segundo disco, onde mesmo tendo o hit “A Mulher Invisível”, vendeu bem menos que o anterior, num curioso e sacana caso de auto sabotagem da CBS (e relato por muitos, como do staff de Roberto Carlos também) com ele.

Se há um porém em Pavões Misteriosos, é a sua baixa quantidade de páginas, que são devoradas na velocidade da luz, mas o que realmente incomoda é o seu finalzinho, contendo uma canelada com o ano de lançamento do mega clipe “Thriller” (datado no livro como 83, sendo que foi lançado em 84), e a explicação um tanto quanto viajada de Leiloca (das Frenéticas), sobre a mudança astral sentida nos anos 80.

O livro é mega recomendado para todos os amantes da música nacional e os curiosos sobre o assunto, por ter conseguido trazer os ingredientes usados num caldeirão mágico, onde corujas, pirilampos e pavões modificariam para sempre o rumo da nossa história.

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