Escolha a vida. Escolha um emprego. Escolha uma carreira. Escolha uma família. Escolha uma televisão enorme. Escolha máquinas de lavar, carros, CD players e abridores de latas elétricos. Escolha saúde, colesterol baixo e seguro dentário. Escolha uma hipoteca a juros fixos. Escolha sua primeira casa. Escolha seus amigos. Escolha roupas esportes e malas combinando. Escolha um terno entre uma variedade de tecidos. Escolha fazer concertos em casa e pensar na vida domingo de manhã. Escolha sentar-se no sofá vendo games shows chatos na TV comendo porcaria. Escolha apodrecer no final, numa casa miserável, tornando-se uma total vergonha para os filhos egoístas que pôs no mundo para substituí-lo. Escolha seu futuro. Escolha sua vida. Eu escolhi não escolher uma vida, eu escolhi outra coisa. E a razão? Não há razões. Quem precisa de motivos quando se tem heroína?
Com esse discurso rasgado e impactante, narrado em off por Ewan McGregor, que somos apresentados a um dos grandes clássicos cult dos anos 90, responsável por catapultar não só a carreira do ator, como também a do diretor Danny Boyle: Trainspotting.
Baseado no livro do escocês Irvine Welsh, a trama mostra a luta de Mark Renton (Ewan McGregor) para se livrar do seu corrosivo vício em heroína, enquanto convive com seus quatros distintos amigos: o viciado Sick Boy, o psicopata Frank Begbie, o abobalhado Spud e o único “careta” da turma e fanático por futebol, Tommy.
Quando chegou nas telonas em 96, causou o maior rebuliço, já que na visão de muitos a obra dava uma visão charmosa sobre o vício em drogas pesadas, e poderia induzir milhares de jovens ao mesmo erro. Inclusive, nos EUA o senador Bob Dale criticou-o duramente na sua campanha rumo à Casa Branca, apesar de ter admitido nunca ter visto ele!
Mas o fato, é que além de ser uma visão incômoda e delirante das viagens alucinógenas sob o olhar de um viciado, Trainspotting é um exemplo clássico de como se fazer um filme alternativo e antológico de maneira mega inteligente.

Mergulhando pelo bagulho perdido.
A começar pela abertura com o texto que abre este post, numa corrida de Renton. Sick Boy e Spud contra a polícia, embalados por “Lust For Life” do icônico Iggy Pop, e logo mais adiante, há o mergulho de finca numa privada do “banheiro mais nojento da Escócia”, recinto que faz qualquer um localizado em rodoviária e buteco copo sujo um verdadeiro oásis.
E a agonia só aumenta quando o personagem de McGregor começa sua luta contra a heroína, e começa a ter visões delirantes de amigos e de um bebê morto que o perseguem num quarto que muda de dimensão.
O grande lance do filme, além da direção impecável de Boyle, um elenco super afiado, cenas antológicas, trilha muito bem selecionada e viciante, foi o roteiro genial e sincero, que mostra o lado bom e ruim das drogas.
No fim, mesmo sem se posicionar moralmente contra o vício, a cena final de Renton fugindo com sua mala de dinheiro, mostra que às vezes temos de dar o braço a torcer e optar por uma vida chata e ordinária, da qual criticamos duramente, para vislumbrar e ter uma melhor.
Ficha Técnica:
Direção: Danny Boyle
Roteiro: John Hodge, baseado no livro de Irvine Welsh
Elenco: Ewan McGregor, Ewen Bremner, Jonny Lee Miller, Kelly Macdonald, Kevin McKidd, Robert Carlyle
Produção: Andrew MacDonald
Fotografia: Brian Tufano
Duração: 94 min.
Ano: 1996
País: Inglaterra
Cor: Colorido